Em entrevista à euronews, Kristalina Georgieva, diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI) avisa que o ano de 2023 poderá ser mais duro que 2022.

euronews: “Em que ponto estamos no que toca à economia global?”

Kristalina Georgieva: “O horizonte escureceu de forma significativa no último ano. Há um ano, estávamos a recuperar da Covid-19, e terminámos com um crescimento global superior a 6%. E depois houve dois choques. A variante Omicron e a guerra da Rússia na Ucrânia não só interromperam a recuperação como inverteram a recuperação. Tendo em conta a situação das economias europeias, metade dos países da zona euro deverão registar pelo menos dois trimestres de crescimento negativo. Por outras palavras, uma recessão. Só para dar uma ideia do impacto desta situação na Europa, as nossas projeções anteriores à pandemia e as projeções atuais diferem em meio trilião de euros. Ou seja, a dimensão das perdas para os europeus é dramática em relação ao resto do mundo. A China está a abrandar principalmente devido à política Covid zero. Os Estados Unidos não estão a sofrer os mesmos choques comerciais que a Europa, por isso, estão um pouco melhor do que nós. Em comparação, a Europa encontra-se numa posição mais difícil. Mas a Europa não é a única que enfrenta um ano de 2023 muito difícil”.

A questão chave é saber se a Europa pode permanecer unida, com o apoio dos cidadãos neste momento difícil. Kristalina Georgieva, diretora do FMI

euronews: “Quando começou o chamado problema da inflação, dizia-se que era temporário. Mas, agora vemos que não é assim tão temporário. Quanto tempo vai durar este crescimento negativo?”

Kristalina Georgieva: “Porque é que dissemos que era temporário? Porque ninguém preveu a guerra da Rússia. Quando a guerra começou, as condições mudaram de forma dramática devido à questão energética e ao aumento dos preços dos alimentos, que continua a ser bastante dramático, bastante significativo. Quando olhamos para o futuro, não podemos minimizar o desafio, 2023 poderá ser mais duro do que 2022. O próximo Inverno para a Europa poderá ser ainda mais duro do que este Inverno. Porquê? Porque os decisores políticos europeus agiram muito rapidamente para encher os depósitos de gás. Se a situação atual em relação à Rússia se mantiver e se a Rússia não fornecer gás à Europa, como é que poderemos armazenar gás no próximo ano? A questão chave é saber se a Europa pode permanecer unida, com o apoio dos cidadãos neste momento difícil. Se tiver de fazer um apelo às pessoas diria que é preciso ajudar com medidas de poupança de energia. Todos nós podemos fazer a nossa parte este Inverno. Para chegar à Primavera sem danos dramáticos, é preciso racionar para evitar chegar a esse ponto. Mas estou mais optimista em relação ao futuro da Europa porque a crise está a acelerar a transição ecológica, o que deverá gerar crescimento e oportunidades. Da mesma forma que a Covid-19 acelerou a transição digital. Esta crise vai acelerar a transição ecológica”.

A crise está a acelerar a transição ecológica, o que gera deverá gerar crescimento e oportunidades. Kristalina Georgieva, diretora do FMI

euronews: “Afirmou que é preciso apoiar a mudança que está curso na Ucrânia, passar de uma fase de gestão económica de emergência para uma fase de recuperação. Quais são os principais avanços em relação às medidas implementadas por Kiev, em conjunto com o FMI, que ajudaram a manter esse ritmo? Estamos a falar de uma economia que continua a funcionar em período de guerra”.

Kristalina Georgieva: “Em primeiro lugar, devo expressar a minha admiração pelo governo e pelo povo da Ucrânia. A unidade que demonstram é uma unidade que nós, na União Europeia, prezamos. E é por isso que a Ucrânia está agora no caminho para aderir à União Europeia. A qualidade de governança na Ucrânia é impressionante. Há uma clareza ao nível dos objetivos e disciplina, algo que só posso admirar e elogiar. O que fizemos em conjunto com as autoridades ucranianas imediatamente após o início da guerra? Concentramo-nos em medidas para proteger a economia do colapso. E embora haja uma contração de provavelmente 30, 35%, a econimia está muito longe de entrar em colapso. Pelo contrário, uma parte da economia europeia, da economia ucraniana, está a crescer novamente”.

A unidade da nação ucraniana deve passar pela perspetiva de adesão à União Europeia Kristalina Georgieva, diretora do FMI

euronews: “Referiu que a Ucrânia está a caminho da União Europeia com uma integração passo a passo da economia da Ucrânia e de alguns setores em particular. O processo de integração está a avançar mais rapidamente do que seria esperado?”

Kristalina Georgieva: “Claro que sim. É uma guerra terrível, uma tragédia para a Ucrânia. Mas tornou a nação ucraniana mais forte e o país muito mais determinado a dar os passos necessários para bem do próprio povo e para a entrada na União Europeia. Está a ser dada muita atenção às pessoas na Ucrânia para manter um estado de espírito positivo entre a população, com o fornecimento de pensões e serviços sociais. Tenho uma pequena história para contar. Tenho família em Kharkiv. Em Maio, tradicionalmente, plantam-se flores e árvores. E as pessoas fizeram-no durante a guerra, com bombardeamentos a decorrer na região. A unidade da nação deve passar pela perspetiva de adesão à União Europeia. Tenho uma mensagem para a Ucrânia. Na Bulgária, temos um ditado. ‘Apresse-se lentamente’. Faça o que tem de ser feito. Mas seja prudente, tenha cuidado. Se as coisas forem bem feitas não é preciso voltar a fazê-las no futuro”.

euronews: “Não há sinais de que a invasão russa abrande nesta fase. Já falámos do que se segue para a economia da Ucrânia. E agora, o que se segue para a economia da Rússia?”

Kristalina Georgieva: “A economia russa contraiu-se este ano. Vai contrair-se no próximo ano. As implicações para a Rússia vão ser mais severas a médio e longo prazo. O êxodo de russos, especialmente russos altamente qualificados devido à guerra, está a prejudicar a Rússia. O país está a perder o seu papel na economia global. A transição acelerada para as alternativas ao petróleo e ao gás vai reduzir o mercado da Rússia. Com o tempo, a única indústria de que a Rússia depende fortemente terá um papel menor”.

Fonte: https://pt.euronews.com/